sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Galos, noites e quintais

Tem uma música do cantor Belchior (que admiro bastante e por casualidade eu estava escutando agora), que tem o nome do título acima; por isso talvez o título deste texto. Na verdade eu achava que a musica poderia ter um outro título. O escolhido parecia (no meu entender), que “nada” tinha a ver com coisa alguma, embora estas três palavras aparecessem na música, e mais tarde entendi melhor. Pois bem este pequeno texto também parece que o “nada” ter a ver com coisa alguma. Por isso a analogia do título com que vou escrever.
Hoje num churrasco com amigos, conversávamos sobre a reprovação de uma menina na disciplina de matemática na escola da qual eu participo com um projeto chamado “Mais Educação”. Até então, reprovar em matemática no ensino fundamental parece não ser assim alguma coisa fora do comum, ainda que esta reprovação seja no último ano do ensino fundamental.
O fora do comum, foi os professores estarem re-pre-ocupados com a situação. Isto mesmo...re-pre-ocupados ( conforme Paulo Freire precisamos aprender a re-inventar as palavras). Estavam ocupados novamente com a questão, e/ou com o problema da menina. Primeiro não é muito normal numa festa de churrasco as pessoas estarem discutindo “problemas alheios”, quando o propósito da reunião passa a ser o des-stress de um ano atarefado. Segundo, que discutir nota de aluno depois do fato consumado também não é uma situação corriqueira. O diferencial neste caso, é que os professores por estarem trabalhando em um contexto diferenciado, envolvem-se mais com as questões coletivas.
A menina em questão, foi reprovada em matemática por não “saber” subtrair numa conta de 3 dígitos. Até então, para olhares menos atentos, fez-se justiça. A escola é o local por excelência para decorar-se fórmulas, datas, palavras e frases feitas. Não decorou....não passou! O interessante nisto tudo, se é que podemos achar alguma coisa interessante neste fato, é que a menina trabalha com vendas. Ora, me veio logo a pergunta...como ela lida com dinheiro? Como ela faz troco? Penso existirem duas escolas; uma de saberes pragmáticos (escola formal), outra de sabedoria (escola da vida), o que serve pra uma não serve para a outra. Uma exige conhecimento, a outra exige sabedoria. Como dizer que alguém não sabe matemática utilizando-a diariamente? Que tipo de escola queremos. A que constrói saberes ou a que esquadrinha pensamentos? Esta semana numa conversa com um trabalhador de construção civil, eu perguntava para ele, como eu saberia o comprimento de uma madeira num espaço de 3 metros mas com inclinação de 30graus resultando isto numa altura de 1,10metros acima do nível. Ele me falou que a fórmula ele não sabia, mas pediu para eu marcar 1,10 metros na parede, sendo o nível zero o chão, e depois esticar a fita até 3 metros. Feito isto bastava eu novamente colocar a fita na ponta do 1,10 metros e estica-la novamente até os 3 metros. Pronto, 3,20 metros, este seria o tamanho do caibro de madeira.
Sem ter o conhecimento da fórmula, estava ele aplicando de forma prática, a teoria de Pitágoras, “a soma dos quadrados dos catetos é igual a hipotenusa”. Algum tempo atrás, eu também teria lido numa destas revistas de Educação e Escola, sobre a reprovação de um aluno na disciplina de Educação Física por não ter atingido os objetivos num teste de coordenação motora. Bom, a questão também passaria despercebida se o dito aluno, não fosse um dos tocadores de tambores no Olodum, onde os malabarismos com os tambores e com a dança não exigissem uma coordenação por demais avançada.
Galos, noites e quintais...o que tem este texto a ver com este blog....com o esporte e com o futebol? Trago aqui esta reflexão por me ver ainda absorvido inteiramente num ambiente em que o pensar foi trocado por uma racionalidade técnica instrumental. Este ambiente é a sociedade, é o ensino escolar, é a maquina burocrática (expressão maior deste processo) e também o ensino dos esportes/futebol.
Ensina-se o fazer como uma mera prática, desconectado do por que, onde e quando. A instrumentalização da racionalidade descambou para o pragmatismo irracional. O fazer por fazer, o automatismo, a incapacidade de pensar por conta própria. É o aprender que raramente se traduz num aprender para a vida. É o aprender encarcerado em gestos ou fórmulas, dá no mesmo. Esta é a critica que trago ao ensino do futebol, que irei paulatinamente colocando neste espaço alguns fragmentos destas discussões. 
“(...) eu era alegre como um rio,
Um bicho, um bando de pardais
Como um galo, quando havia
Quando havia galos noites e quintais
Mas veio o tempo negro e a força fez
Comigo o mal que a força sempre faz (...)”